
Ninguém está preparado para perder um filho. É uma dor desumana. É contra-natura. Não importa se ele somente viveu na nossa barriga. Se ele só respirou o nosso ar dois dias, ou dois anos. Ou até mesmo vinte, quarenta ou sessenta. Perder um filho, vê-lo morrer, morrer-nos, sem que um travão impeça o comboio de passar a linha, é perder o coração. Vê-lo estilhaçado em mil bocados, mil cacos espalhados sem cola que os sustenha. Que os concerte. Que lhes devolva a forma, para sempre dissipada. Morta. Espalhada pelo ar e impossível de curar.
Perder um filho é a tortura da alma, do corpo, do peito sufocado que nunca mais respira. Nunca mais deita fora o ar que a custo ingere. É ver morrer os membros superiores, os inferiores e a cabeça. Principalmente a cabeça. Que nunca mais vê com clareza. Nunca mais pensa sem medo. Nunca mais existe nesta vida que deixa de o ser. É entrar num quarto que cheira a filho e não o ter lá. Nunca mais. É dobrar as camisas e passar as calças que não mais serão vestidas. Fazer a cama eternamente, para que nunca mais se desmanche, porque é de terra o cobertor.
Perder um filho é perder o chão que se faz de nuvem. Pouco sólida. Pouco real. Porque é cabeça nas nuvens e coração no inferno. A desejar ter, voltar, querer. É sonhar com o abraço que não se deu. É sonhar com a Primavera que é eternamente Inverno. Soturno. Escuro. Perder um filho é viver num falso contentamento continuamente. Pois não se é feliz desmantelado. Cheio de pensos e feridas. Cheio de dores que não saram. Porque as do coração são as piores.
E não importa se o filho é pequeno ou grande. Se nos acabou de chegar ao colo ou se nele se sentou já velho. Perder um filho é um erro. Crasso. Injusto. Odioso. Porque não pode existir mãe que veja morrer um filho. Não pode existir mãe que viva à sombra de um amor morto. A mãe que gera, que carrega, que ama incondicionalmente a medo e a tempo. Com dores e temores. Com fé e crença. Redundâncias da vida. Infinitas. Pois é assim este amor. Perder um filho é perder uma mãe que já não o é. E não o será nunca mais. Pois nunca mais vive, nisto que é a vida.
Porque ela é curta, sobretudo na morte.
A todas as mães que perderam os seus filhos.
Silvia Melo
Fevereiro 8, 2019Lindo lindo… revejo—me em cada palavra
Perdi um filho, com 20 semanas de gestação. Nunca me deixaram chorar, fazer o luto deste filho… querem—me proibir de chamar filho… “aquilo” ainda não era nada — dizem. “Foi melhor assim e depois tens outro”…
Foi há 10 anos atrás… aprendi a viver com esta dor, sofro calada… para não ter que ouvir comentários que magoam tanto este coração estilhaçado.
Depois tive outro, felizmente que é a luz dos meus dias… mas nunca substituiu o primeiro, o meu Tiago.
Grata pelo seu belo texto